Saudade: conseguimos (d) escrever?
- Aline Brettas
- 3 de mar. de 2022
- 2 min de leitura
Atualizado: 13 de mar. de 2022
05 de julho de 2020

Foto: wikipedia.
Saudade: tela pintada por Almeida Júnior, em 1889.
Embora existam análises disponíveis sobre a obra e eu não seja especialista no campo, observei a pintura e me propus a fazer minhas próprias inferências…
A garota, parecendo ter cerca de 25 anos, olha fixamente para uma carta, que não acredito ser de amigos. Não imagino uma jovem que vive em um ambiente rural no século XIX, fazendo parte de um círculo social agitado. A carta então poderia ser dos pais ou de um irmão. Porém, intuo que é de um amor correspondido.
Por que um amor? Pela sua aparente idade, o que sugere que ela está na fase de se apaixonar; E pelo olhar concentrado, emotivo, pelo rosto parcialmente coberto, para se conter ou para se expressar.
Ela está próxima a uma janela, provavelmente à espera de alguém (ou talvez ela estivesse entediada e e simplesmente passava o tempo, vendo o tempo passar diante de si). Bem, como a interpretação é minha, prefiro a ideia do romantismo, of course.
Partindo do pressuposto de que a carta provém de um romance, já não consigo deduzir a história de amor por trás dela. Por onde andava esse amor? Por que ele enviou uma carta, em vez de estar presente? Quanto tempo ele esteve fora? Por que a jovem está chorando? Por que a saudade? Saudade de dias, meses ou anos? Foi um rompimento? Seu amor ainda estaria vivo? Outras questões surgem. Como eles se conheceram? Foi um romance espontâneo ou um casamento arranjado? Como foi a relação entre eles? Amorosa? Formal? Qual a forma de sustento dele? Como eram ambas as famílias?
São várias perguntas sem resposta, que podem inspirar histórias, sentimentos, afinidades, projeções…
Mas o que temos é a saudade. Saudade expressa no título da obra, no olhar da jovem e na carta em suas mãos, na janela onde ela provavelmente se apoia.
Por coincidência (será coincidência?), vejo esta pintura nestes tempos de pandemia. Quantas saudades estão sendo despertadas neste período de distanciamento físico? Namorados que não se encontram, filhos que não podem se aproximar dos pais idosos, familiares e amigos separados em casas, cidades, países. Saudades do local e do cotidiano de trabalho, das festas, dos shows, da vida que pulsa fora das paredes de pedra e cal.
Saudades de uma vida da qual não sabemos se vai voltar…
Hoje, porém, não precisamos de cartas. A tecnologia aproxima as pessoas… bem, não me proponho aqui a fazer uma análise sociológica dessa época atual.
De qualquer modo, cada um deve interpretar, vivenciar, ressignificar a saudade conforme suas experiências, memórias, sentimentos.
Estou buscando compreender minhas próprias saudades, das profundas às efêmeras. Pensando em como eu poderia representá-las em uma pintura. Com certeza, haveria notas musicais, lugares, pessoas, talvez alguns símbolos oníricos. Não tenho talento para tanto, mas poderia improvisar uma tela que seria mantida comigo.
E você? Como expressaria sua saudade?
Comments